quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A candidatura de Lampião para presidente da República




O cordel “A candidatura de Lampião para presidente da República” foi escrito há alguns anos e contém 24 estrofes de sete versos (linhas). Nele o autor transforma o cangaceiro Lampião em um “herói” do povo do sertão. Uma estória que mexe com o imaginário popular, onde o famoso desordeiro que habitou os sertões nordestinos no início do século passado se transformaria num candidato capaz de derrotar os políticos da época.

Capa com xilogravura de Marcelo Soares.

Leio o texto abaixo:

A candidatura de Lampião para presidente da República

Das histórias que surgiram
No Nordeste do Brasil
Sobre um tal de Virgulino
Lampião, homem viril,
Tem uma que ficou fora
Dos registros da história
Pouca gente já ouviu.

Quem me contou com detalhes
Eu não sei se é mentira
Foi um velho ex-cangaceiro
Chamado Zé Macambira
Me disse que Lampião
Foi um herói do sertão
Esse título ninguém tira.

Me disse que era tanta
A fama de Lampião
Que um cangaceiro seu
Deu a sua opinião
Meu Capitão vosmecê
É quem merecia ser
Presidente da nação.

Pois não é que Lampião
Aceitou logo no ato
E disse em cima da bucha:
– Eu quero ser candidato
E quem não votar em mim
Só pode ser cabra ruim
Eu esfolo, capo e mato.

E o plano de governo
Do Capitão Virgulino
Amplamente divulgado
Pelo Sertão Nordestino
Teve logo aprovação
De toda a população
Homem, mulher e menino.

Vou tentar reproduzir
O plano do cangaceiro
Como foi que Lampião
Convenceu o povo inteiro
A aprovar o seu plano
E votar naquele ano
No famoso justiceiro.

Lampião já discursava
Pensavam como seria
Viver sem corrupção
Felicidade pra todos
Habitantes da nação
Por toda parte se ouvia
Dia e noite, noite e dia
– Vou votar em Lampião.

Virgulino aonde chegava
Era motivo de alegria
Conquistava toda a gente
Do Ceará a Bahia
E nos braços do povão
Provocava um arrastão
Era grande a romaria.

Os políticos invejavam
Tanta popularidade
Temiam que a promessa
Se transformasse em verdade
Se Lampião fosse eleito
De deputado a prefeito
Perdia a tranqüilidade.

Por isso se reuniu
De vereador a prefeito
Naquela situação
Resolveram dar um jeito
Armaram aquela cilada
De tocaia na estrada
Montaram um plano perfeito.

Lá pras bandas de Angicos
Fuzilaram Lampião
Mas acabaram também
Com os planos da nação
De criar um país novo
Calaram a boca do povo
Venceu a corrupção.

No Nordeste inteiro o povo
Chorou a morte do bando
Do Capitão Virgulino
Ficavam só comentando
Ô cabra macho da peste
Representou o Nordeste
Viveu e morreu lutando.

Se o plano de Lampião
Tivesse ido à frente
A vida aqui no Brasil
Seria bem diferente
Não ia faltar o pão
Saúde e educação
Na vida da nossa gente.

Se um dia surgir aqui
Outro Lampião disposto
A mudar nossa história
Vai ser bem vindo no posto
De Capitão da Justiça
Vai acabar com a injustiça
E recebido com gosto.

Isso foi o que eu ouvi
Da boca do ex-cangaceiro
Quem quiser que conte outra
Porque eu cheguei primeiro
Não diga que estou mentindo
Vá por aí repetindo
A estória do justiceiro.

Em todo lugar que ia
Seu lema era limpeza
Credo, cruz, Ave Maria
– Eu vou varrer desse mundo
Tudo quanto é vagabundo,
Era isso que dizia.

Prometia: – Vou banir
Desse mundo a ladroagem
Também prometo acabar
Com essa vagabundagem
Esse bando de safado
Vai se ver encurralado
Vou acabar com a bandidagem...

...Esses políticos corruptos
Vão provar minha chibata
Eu prometo acabar
Com essa tal de mamata
Palavra de Lampião
Cabra brabo do sertão
Feito dez siris na lata...

... O prefeito que roubar
Dinheiro da prefeitura
Vai ter que se ver comigo
E vai levar uma dura
Vou manda-lo pra prisão
Pra comer banha com pão
E feijão com rapadura...

... Prometo fiscalizar
Os atos dos deputados
Se andarem fora da linha
Eles vão estar lascados
Eu mando juntar tudim
O magote de cabra ruim
Todos eles amarrados...

...Depois boto num navio
Solto lá no mei do mar
Tudo quanto é tubarão
De comer vai se fartar
Quero ver dentro de um ano
Sem mentira e sem engano
Esse país se ajeitar...

...Vou mostrar pra essa gente
Que eu boto ordem na casa
Político ruim e safado
Comigo pega em brasa
Arranco o couro das costas
Capo, corto a trouxa em postas
Ladrão comigo se arrasa.

O programa de governo
Era voltado pro povo
E este logo aprovou
Sonhando com um Brasil novo
Um país justo e feliz
Dono do próprio nariz
Sem dever sequer um ovo.

O povo do meu sertão
Já estava até sonhando
Com uma vida melhor
Estavam todos contando
Pensavam como seria
Ter saúde e moradia
A educação prosperando.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Cordel “O homem do saco grande”




Como sempre, buscamos uma forma bem humorada de abordar os diversos temas que cercam trajetória humana. Mesmo que o assunto focado não seja algo que provoque risos como o caso de uma doença. Porém, o que seria de nossas vidas se não pudéssemos dar umas boas risadas. Afinal, o humor pode sim, esconder-se por trás de acontecimentos trágicos. Por isso, um homem com hérnia escrotal pode ser chamado de “O homem do saco grande”.

O HOMEM DO SACO GRANDE

Certos tipos de doenças
Não dá nem pra perceber
Mas, outras, qualquer pessoa
Percebe até sem querer
Quem tem hérnia escrotal
Anda de maneira tal
Que até de longe se vê.

Acontece por fazer
Esforço demasiado
Foi assim com seu Nonô
Que teve o saco aumentado
Usava calça folgada
Ouvia cada piada
Passou por um mal bocado.

Quando estava sentado
Ninguém podia animá-lo
Botava o saco pra cima
Procurava acomodá-lo
Andava a todo o momento
Protegendo o documento
Assim pra não machucá-lo.

De passeio a cavalo
Certo dia Seu Nonô
Sentiu sede, pediu água
Numa casa que avistou
A moça que atendeu
O pacote percebeu
E bem depressa falou:

“Desapei meu senhor
Sua sede eu vou matar
Me dê cá a sua trouxa
Pro cavalo descansar
Se assente nessa cadeira
Ou na espreguiçadeira
Que a água eu vou pegar”.

Aquela foi de lascar
Das tripas ao coração
O velho se aborreceu
Disse: “Não precisa não
Se eu lhe der essa trouxa
Que levo aqui entre as coxas
Vai junto meus dois cunhão”

E em outra ocasião
Seu Nonô tava sentado
Na varanda de sua casa
Apareceu um coitado
Vinha assim com tanta fome
Que o pobrezinho do home
Tava desorientado.

E falou: “Abençoado
Ouça o que eu vou lhe falar
Se um pouco de comida
O senhor puder me dar
Vou rezar pra Padim Ciço
Lhe abençoar por isso
E mais riqueza lhe dar”.

Seu Nonô pegou a gritar:
“Maria vem no terraço
Traga feijão com arroz
De toicim traz um pedaço
Traz um pouco de farinha
Bota caldo de galinha
Que a mistura eu mesmo faço”.

Ficou assim um pratasso
E o homem caiu de boca
Seu Nonô admirado
Com aquela fome louca
Pensando: “Que triste sina
Pra essa fome canina
Qualquer comida é pouca”.

E depois com a voz rouca
O homem agradecendo
Disse:”Que boa pessoa
Comigo o senhor tá sendo
Vou rezar pro meu Padim
Pra suas coisa ir assim
Cada dia mais crescendo”.

Seu Nonô se aborrecendo
Falou: “Ah! Seu desgraçado
Você vem na minha casa
E depois de alimentado
Com a maior cara de pau
Vem me desejando mal
Ver meu saco aumentado”.

E o homem encabulado
Disse: “Eu não falei no saco
Mas eu conheço um remédio
Que não tem nada de fraco
Se fizer como eu mandar
O senhor vai se curar
Pode confiar no taco...

...Cave um pequeno buraco
No chão bote uma panela
Pegue um punhado de brasas
E despeje dentro dela
Pegue espinho de cardeiro
Com folha de marmeleiro
E cinco pau de canela...

...Coloque isso tudo nela
E as brasas vá abanando
Tire a roupa fique nu
E vá se acocorando
Vá descendo até bem perto
Vai sentir no tempo certo
Que o ovo vai esquentando...

...Já vai estar fumaçando
E o senhor vai se cobrir
Com um lençol bem comprido
Pra fumaça não sair
E depois de meia hora
Vai sentido sem demora
O ovo diminuir”.

E depois daquilo ouvir
Seu Nonô que é velho esperto
Pensando consigo mesmo
Que poderia dar certo
Iria dar um jeitinho
De fazer tudo sozinho
Sem ninguém ali por perto.

E estando o campo aberto
Por estar sozinho em casa
Certo dia Seu Nonô
Preparou o fogo de brasa
E ali mesmo no terreiro
Fez um buraco ligeiro
Tipo uma covinha rasa.

Uma panela sem asa
De barro bem trabalhado
Colocou naquela cova
Deixou tudo arrumado
Deu início à simpatia
Do jeito que noutro dia
O homem tinha ensinado.

Pegou de brasa um punhado
Jogou dentro da panela
O espinho do cardeiro
Marmeleiro e canela
Depois ele se despiu
Com o lençol se cobriu
Vejam só que cena bela.

Uma fumaça amarela
Subindo sob a coberta
Seu Nonô se acocorando
Descendo com a perna aberta
E o ovão aproximando
Da brasa e esquentando
A presepada era certa.

E a ponta da coberta
Caiu na brasa e queimou
E por debaixo do pano
O fumaceiro aumentou
O fogo foi aumentando
E o ovão esquentando
E o velho se apavorou.

Coitado de Seu Nonô
Na hora caiu sentado
Bem em cima da panela
Teve o saco chamuscado
Se o ovão já era estranho
Quase dobrou de tamanho
De tão grande e inchado.

Desde então quando abordado
Se alguém diz: ”Seu Nonô...
Eu tenho uma simpatia
Pra lhe cura sem ter dor”
Sem medida e sem régua
Ele diz: “Filho da égua
Ensine pro seu avô”.